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É aniversário - Os tempos que se vive.

Quis escrever na coluna de hoje sobre as questões políticas que observamos no dia a dia, sobre o momento atual de rearticulação de forças já visando as eleições de 2022, sobre o esforço do establishment, ou sobre a CPI, contudo, sendo este 27/05 o meu aniversário, resolvi fazer uma reflexão sobre o Tempo que a civilização resolveu metrificar cronologicamente.


É comum em datas assim, elaborarmos uma espécie de review do que fizemos com os anos que tivemos e um “planejamento” dos anos que nos restam. Nessas horas costumamos ser benevolentes com o passado e otimistas em relação ao futuro, a construção humana abriga tais sentimentos sem dificuldade. Entretanto, o passar dos anos me fez, ultimamente, procurar entender melhor o percurso da vida no sentido metafísico, então resolvi escrever um pequeníssimo bocado do significado do Tempo e de como procuro compreendê-lo.


Em meu socorro, fui buscar na minha adolescência cinquentenária um livro que li – “O Profeta”, de Gibran Khalil Gibran, um grandíssimo poeta libanês, falecido em 1931 nos EUA, em que a personagem, Al Mustafá, o mestre, antes de empreender sua viagem de despedida, reúne os moradores da pequena cidade em que morava para responder as suas inquietações sobre diversos temas.

Em “O Profeta”, que recomendo vivamente, há um instante em que um morador - um astrônomo, pergunta ao mestre sobre o tempo. E ele responde:

“Se dependesse de vós mediríeis o imedível e o incomensurável. Ajustaríeis a vossa conduta e até dirigiríeis o rumo do vosso espírito de acordo com as horas e as estações. Do tempo faríeis um ribeiro em cuja margem vos sentaríeis a vê-lo fluir.

No entanto, o intemporal em vós está consciente do intemporal da vida, e sabe que o ontem não é senão a memória do hoje, e o amanhã é o sonho de hoje.

E aquele que dentro de vós canta e contempla, habita ainda dentro dos limites daquele primeiro momento que espalhou as estrelas no firmamento.


Quem, dentre vós, não sente que a sua capacidade para amar é ilimitada? E, no entanto, também sente que esse mesmo amor, embora ilimitado, está confinado no âmago do seu ser, não se movendo de pensamento amoroso para pensamento amoroso, nem de atos de amor para atos de amor.


E não será o tempo, tal como o amor, indivisível e imóvel?

Mas se em pensamento quiserdes medir o tempo em estações, deixai que cada estação abrace todas as outras. E deixai que o hoje abrace o passado com saudade e o futuro com ansiedade.”


Então, o tempo que tenho, vivido e a viver, só é dimensionado e, portanto, só tem alguma importância, a partir da escolha que faço conscientemente entre metrificá-lo, em reparti-lo, ou compreendê-lo em sua . Podemos especular se tratamos de um tempo em quantidade, medido em horas, dias e anos cujos ciclos comemoramos, e um tempo qualitativo, pertencente à metafísica. Somos obrigados a lidar com os dois.


Vivemos cotidianamente em função do tempo, do ontem, do hoje e do amanhã, das tarefas e ações realizadas, em curso ou em expectativa. Mas, conscientemente, sabemos que toda nossa existência nada representa em relação ao tempo indivisível, eterno, divino.

O envelhecimento representado por cada aniversário é, neste sentido, ao mesmo tempo a transposição de linhas de chegada cronologicamente demarcadas e uma expressão ínfima da eternidade. Podemos observar sua passagem como tempo vivido ou simplesmente ignorá-la na infinitude do tempo.


O poeta Gibran faz uma feliz analogia com o amor, que não sendo tangível, não encontra limites no amante. Então, se não há limites para a capacidade de amar, por que amamos e desamamos? Ocorre que amar e desamar fazem aniversários, não o amor. Este, como o tempo infinito, pertence a termos etéreos, indivisíveis, incorruptíveis.


Em consolo, Gibran reconhece a possibilidade de escolher, conscientemente, cuidar do tempo em pedaços, como se fosse permitido profaná-lo com divisões que possamos compreender e com as quais possamos lidar. Se decidimos fazê-lo, comemoremos os tempos, as datas, o ontem, o hoje e o amanhã, deixando que se entrelacem. Contudo, não percamos de vista a sua verdadeira natureza.

Segundo Platão “o tempo é a imagem em movimento da eternidade”. Então, o hoje, ou o tempo que vivi, que significa em anos meu aniversário, é apenas uma parte infinitesimal da movimento da eternidade. Os convido a comemorar comigo este quase nada.



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