Há alguns meses, no início do processo eleitoral, me perguntaram o que eu achava da campanha e das possibilidades de cada candidato. A minha resposta, percebo agora, premonitória, foi de que não fazia a mínima ideia sobre resultados, performances etc., porém, intuía que o jogo seria realizado na lama. Eis que nesta terça-feira, dia 20/09, o esgoto abriu-se de vez para dele jorrar a podridão mais infame contra os dois principais candidatos.
É sabido que, no Brasil, a política e, obviamente, as campanhas eleitorais, não são realizadas sob regime de assepsia. Nem poderia. Somos uma nação pouco sóbria, brincalhona, zoeira como se diz por aí. Seria impossível que, repentinamente, no processo de disputa pela preferência do eleitor, os políticos se comportassem com a etiqueta do funeral da Rainha da Inglaterra. Até aí, é do jogo, estamos acostumados a enfrentamentos ríspidos, a acordos de coxia, a lances de marqueteiros, a candidaturas de protesto e uma infinidade de possibilidades. Lembremo-nos que em 1988, no Rio de Janeiro, o macaco Tião, do zoológico da cidade, teve mais de 400 mil votos para prefeito, ficando em terceiro lugar. Ou seja, tudo é possível.
Apesar disso, no caso a que me refiro, mais precisamente um áudio que certamente foi ouvido por milhares de acreanos, o que se tem não é da política, é das profundezas do mau-caratismo de que a natureza humana é capaz. Não faço a mínima ideia se é possível alcançar os responsáveis, mas, seguramente, deveria. É caso de polícia e de execração pública de seus autores, mentores, mandantes, seja lá quem tenha se envolvido na ignomínia praticada. Seria bom saber quem tem à mão a coleira dos cães.
Não cabe aqui reproduzir sequer uma frase daquele áudio, também não é o caso de encompridar qualquer discurso ético, mas é necessário, creio, fazer uma breve reflexão. Começo por esclarecer que, não possuindo qualidades mediúnicas, as bases em eu assentava lá por junho, a minha resposta acerca do nível em que se daria o processo eleitoral eram de natureza política.
Ora, desde que ficou evidente a deterioração do tecido partidário que ao mesmo tempo une e envelopa as lideranças e tendências político-ideológicas, constituindo uma identidade, um comando e um rumo, torna-se impossível conter, dirigir e assumir o andamento das campanhas. Era quase obvio prever a Babel eleitoral que resultaria, ao ponto de não se saber quem é quem, quem está com quem, quem defende quem nem o quê, a não ser individualmente e sob determinadas circunstâncias. Assim, como evitar que dos subterrâneos eclodisse toda a sujeira que se alastrou nos últimos dias?
O “cada um por si”, com as próprias linguagens, métodos e capacidades, faz com que o debate público seja raso como um pires e a campanha dos candidatos, muitos deles atraídos pela mera possibilidade de “ganhar algum” do fundão eleitoral, seja uma corrida desembestada que traz à cena de criminosos conhecidos a nulidades cotistas.
Ninguém parece ter efetivamente o timão de nenhum barco porque, de fato, não há barcos, mas apenas nadadores individualmente lutando para chegar na praia.
Era nisso que me baseava para “adivinhar” que esta não poderia ser uma campanha limpa. Sem adesão, mas ao estilo Hobbesiano, diria que sem comando e controle, o homem é mau, um animal capaz de qualquer coisa. Para muitos, “só não vale perder”, ou seja, vale tudo para ganhar. Não à toa, a Dilma Rousseff disse certa vez que para ganhar faria acordo até com o diabo contra Bolsonaro. Fez e perdeu.
Com esta confusão, as candidaturas majoritárias perderam muito de suas características e, de certo modo, foram contaminadas. Vimos isso no debate recente. À parte as limitações inerentes ao regulamento (aprovado pelos candidatos, diga-se), o que houve foi uma espécie de caça ao governador. Seus principais oponentes se limitaram basicamente a tentar desgastá-lo, sem uma mísera proposta divergente, clara, com começo, meio e fim, de modo a convencer um único eleitor. Não sei que marquetagem esteve por trás dessa ideia, mas garanto que fracassou. O resultado foi apenas e tão somente o açulamento de correligionários em escalada raivosa. O que vinha transcorrendo nos bastidores, acordos e desacordos, alianças e traições, negociações e calotes, foi transfigurado publicamente em furor desabrido.
Outro dado, este, conjuntural, foi a divulgação na segunda-feira, um dia depois do debate, da pesquisa do IPEC/Globo/Rede Amazônica, que colocou o governador em franca possibilidade de reeleição já no primeiro turno e certíssima no segundo, se houver. Parece que soou como autorização para que abrissem a tampa do esgoto. Abriram e soltaram em áudio toda aquela nojeira que, sem dúvidas, já estava pronta.
Então, temos aí, a meu ver, uma combinação de fatores que condiciona os termos lamentáveis em que se chegará ao final do processo eleitoral na próxima semana. Insisto que o motor principal de tudo é o dilaceramento das musculaturas partidárias que não resistiram e, desestruturadas, permitiram que a campanha se desenvolvesse sem comando ético e sem um real confronto de projetos, dificultando o reconhecimento pelo eleitor da personificação de alternativas. Deu-se, portanto, a melhor oportunidade à irracionalidade, pela qual o eleitor não tem nenhuma responsabilidade, pelo contrário, também é vítima assim como o governador atual e os ex-governadores achincalhados brutalmente.
Esperemos que, ao cabo, a própria eleição estabeleça as condições para que lideranças sóbrias e sérias retomem a luta política em patamares elevados e respeitosos. Quem, afinal, tiver êxito nessa corrida maluca, haverá de recompor o quadro político e restaurar o tecido partidário, definindo seus papéis e espaços de atuação na sociedade e excluindo perenemente aqueles que somente vicejam no lamaçal.
Uma campanha a moda esquerdista, marcada pela difamação e a leviandade!
Quanta enrolação para dizer o óbvio, aquilo que sempre foi.