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  • Foto do escritorvalbcampelo

Sem amor, sem planos



Ela estava quase chegando e ele, ansioso, aguardava do lado de dentro do edifício onde trabalhava. Daquele canto daria pra ver o carro encostando, que ela disse ser vermelho. Era final do expediente, hora de ir pra casa. Ou não. Ia depender daquele encontro já marcado três vezes, mas sempre adiado por algum motivo de última hora.

As luzes de um carro chegando piscaram. Só podia ser ela. Como sempre, ele estava vestido em terno escuro e camisa clara, uma exigência do trabalho. Cabelos arrumados, conferiu o próprio cheiro, nada fora do normal, respirou fundo e pensou “ela deve estar mais nervosa do que eu, vamos em frente, seja homem”. Caminhou até o carro, abriu a porta, entrou, deu um sorriso e perguntou o que lhe pareceu mais fácil e oportuno – Silvia? Tudo bem?


Ela o olhou rapidamente, sorriu, acelerou e saiu apressada. Na verdade não queria arriscar ser vista. Aquele era o primeiro encontro dos dois, ambos casados, que se conheceram através de um aplicativo, a ultima coisa que ela precisava era ser vista por algum conhecido buscando aquele sujeito no fim da tarde. Uns cem metros adiante, Marcos perguntou - Nervosa? Ela mostrou a mão trêmula e respondeu - nervosa é pouco, estou apavorada. Seguiu por uma via de sentido obrigatório, até que ele perguntou - aonde quer ir? Ela disse – não sei, vou parar em algum estacionamento.


Deu a volta e seguiu pela avenida no sentido de um pequeno parque. O trânsito ainda estava leve, logo chegaram e ela estacionou num lugar onde havia um bosque e um silêncio que pareciam esperá-los. Agora podiam se ver melhor e conversar com calma.


Ela tinha uns 30 anos, cabelos castanhos claros compridos e cheirosos, um sorriso franco como quem ri de uma piada, olhos pequenos e brilhantes, lábios finos, seios grandes e, ele viu depois, um corpo escultural. Usava um vestido leve, que permitia vislumbrar seus contornos. Era advogada, casada há oito anos, sem filhos.

Ele era dez anos mais velho, pele branca, alto, aparência séria como de um executivo típico, olhar algo atrevido, inquisidor, era bem instruído e conhecido por sua cultura geral. Marcos não era exatamente bonito, mas atraente. Seu casamento já durava 15 anos e era como uma rocha, pesado, parado, cheio dos marcas, mas sólido.


Tudo havia começado seis meses antes. Durante esse tempo se falavam diariamente através de um chat. Cartas na mesa, nada de romance, expectativas de afeto... era de sexo que se tratava. Ele, experiente em “puladas de cerca”, ela, estreando na arte de mentir e enganar em busca de prazer.


─ E agora? - perguntou Silvia, evidentemente curiosa com a situação e certa de que para ele aquilo não era novidade.

─ Agora, conversamos - disse Marcos, sorridente, percebendo que a assustaria ainda mais se iniciasse um contato físico. Havia tempo para isso.

Falaram de amenidades, do trabalho daquele dia, como se cumprissem um rito necessário, um prefácio de um história que começava a ser escrita. Eram adultos, sabiam o que faziam, estavam em um instante de observação mútua, de certificação do percurso que os levara até aquele parque.


Em dado momento, ele estendeu a mão e tocou seus cabelos. Foi o bastante. Ela recuou o banco pra trás, era um convite. Ele debruçou-se sobre ela, beijou-a longamente, enfiou a mão entre as pernas grossas que ela abriu docemente, um sussurro e uma noite que durou dois anos, dividida em inúmeros pequenos pedaços de completo prazer.


Foi num sábado de manhã que aquela noite teve fim. Como sempre, se encontraram em um estacionamento, onde ela deixava o carro e entrava no dele. Até o motel era uns 15 minutos de transito tranquilo, eles tinham umas duas horas antes do meio dia, tempo suficiente para o prazer que se davam há dois anos.


Depois de tudo e do banho, ele sentado tomando um último gole de uísque e aguardando a conta, ela de frente ao espelho ajeitando os cabelos. Sem rodeios, Silvia disse - foi a nossa última vez. A frase, que poderia parecer surpreendente, dramática, impactante, foi absorvida como uma mensagem que chega atrasada. Por quê? - perguntou-lhe Marcos, enquanto rapidamente rememorava.


No período em que foram amantes, com exceção das férias, quando se separavam por um ou dois meses, Marcos e Silvia se encontraram pelo menos uma vez por semana, senão nas quartas-feiras, aos sábados, dependendo da viabilidade das mentiras que inventavam. Foi assim desde aquela primeira tarde no parque.


No inicio, o sabor do pecado – velho clichê, entusiasmava Silvia de tal modo que ela arriscava além da conta, quase pedindo pra ser descoberta. Fugia de reuniões e ligava no meio da tarde, pedindo sexo. Ele largava qualquer coisa e ia correndo. Certa vez, numa tarde não combinada, ela bebeu além da conta e foi parar perto da casa dele, ligou, ele saiu dizendo que ia lavar o carro e com ela ficou tempo suficiente para ter que remendar a desculpa que havia dado – o carro voltou sujo.

O tempo também passa para os amantes e, nos últimos meses, algo começava a incomodar Marcos, que era essencialmente um homem culto, conhecia vários países, falava vários idiomas, que gostava de conversar, de trocar impressões sobre as coisas da vida, sobre economia e política, principalmente. Ele sentia-se usado, descartável. Quem disse que ser objeto sexual é exclusividade feminina? Ela quase não falava, não se posicionava sobre qualquer tema, não falava de sua vida pessoal. O tempo de que dispunha com Lucas, Silvia gastava com sexo e nada mais.


Como não faziam planos, não havia entre eles aquilo que a humanidade combinou chamar de amor. Ou, talvez, fosse o contrário, quer dizer, como não havia amor, não faziam planos. Então, quando Silvia anunciou o fim dos encontros, Marcos, para corresponder a uma natural expectativa dela, apenas perguntou – por que?


Ela virou-se para ele e explicou que não queria mais manter aquela situação, que decidira se concentrar no casamento e engravidar. Deixaria de tomar anticoncepcionais e teria um filho com o marido. Seguiria a vida conforme o planejado.


A campainha tocou. Era a conta chegando. Ele pagou, se recompôs, conferiu se não estava esquecendo alguma coisa e desceu as escadas de mãos dadas com Silvia. No trajeto até o estacionamento, Lucas disse apenas - você está certa, cuide-se. Na despedida, apenas um beijo no rosto, um longo olhar terno, grato. Não havia qualquer mágoa, nenhum sofrimento, nenhuma cobrança.

Por mais de dois meses não se falaram. Acostumados a ligarem um para o outro diariamente, no inicio aquilo foi estranho. Muitas vezes ela se pegou com o telefone na mão, teclando aquele número. Do outro lado, ele também se continha. Melhor assim, pensavam ao mesmo tempo.


Até que um dia a cidade de São Paulo ficou pequena. Estava ele com a esposa em um shopping, quando ao entrar na livraria seus olhos a encontraram. Como se adivinhasse, ela olha pro lado e o vê. Antes que desse um sorriso, percebe que Marcos está com a esposa e o filho de dez anos. Desvia o olhar, vai ao caixa e some entre os clientes. Ele faz o movimento inverso, folheia alguns livros enquanto pensa – como é possível?


No dia seguinte, ainda pela manhã, o telefone toca. Era Silvia. Queria vê-lo. Depois da livraria era impossível se conter. Fizeram o percurso de sempre e às duas da tarde já estavam no motel. A tarde inteira para reviver o menu de sexo que os fez amantes.


─ Me perdoe, mas menti pra você naquele dia - disse ela, quando ele saiu do banho.


─ Como assim?

─ Quando eu disse que não ia mais te ver. A verdade é que meu marido descobriu e me botou na parede. Ou você ou ele.

Assustado, Marcos perguntou – descobriu como?


─ Ele andava desconfiado, ai pressionou a Natália, aquela amiga que sempre me dava cobertura. Ai ele veio pra cima de mim, cai na contradição com as saídas pro cabeleireiro e acabei confessando. Eu disse que você era um cliente do escritório e que mora no Rio.


─ Entendi. E agora?

─ Não sei. O que você acha? Não quero perder você de novo.


Sem aparentar nervosismo, Marcos se debatia intimamente sobre o que propor. Apesar de tudo, ele era um homem conservador. A família, a estabilidade, o filho, o patrimônio, os planos todos teriam que ser desfeitos, ou então arriscariam manter a situação.


Ela ajeitou a maquiagem e o cabelo, se vestiu lindamente como sempre fazia, ele pagou a conta que havia pedido e saíram. Como num filme repetido, fizeram o mesmo trajeto em silêncio e de mãos dadas. No estacionamento, depois de um beijo, ele disse - até amanhã, estou confuso, vamos dar um jeito.


─ Eu também não quero te perder de novo, amanhã a gente se fala.


─ Combinado. Tchau!


Marcos mentiu. Nos dias seguintes não atendeu aos inúmeros telefonemas de Silvia. Nunca mais se viram.

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