Em uma rua estreita, por onde passo diariamente indo ao trabalho, desviando do tráfego intenso da avenida principal, ia um carroceiro em sua faina diária. Tinha baixa estatura, corpo magro e poucos cabelos sob o boné flamenguista, aparentando uns sessenta anos de vida, certamente muito dura. Vestia uma camisa vermelha puída, bermuda amarrada com um cordão, chinelos gastos e encarava uma subida íngreme.
No carrinho, o homem carregava uma geladeira usada, branca, que evidenciava o bom estado. Pensei comigo mesmo que provavelmente teria sido dispensada, ou negociada, por alguém que resolvera fazer uma reforma e substituir eletrodomésticos que não combinavam com o novo ambiente. Não é incomum entre os ricos que, de vez em quando, uma madame queira desapegar de velhos itens para dar vez ao prazer de ir às compras.
Ele subia pela ruela e eu apenas o acompanhava devagar e afastado, sem pressioná-lo. Refletia sobre como seria a vida daquele homem, em quanto esforço estaria fazendo, quando pelo meu lado esquerdo passou devagar, de motocicleta, um jovem de uns vinte anos, com uma moça também jovem na garupa. Pelas roupas que usavam e mochilas que portavam, o casal parecia ir para a faculdade como fazem cedinho os estudantes.
Percebi que falaram algo entre si antes de pararem e estacionarem a motocicleta sob uma árvore. Em seguida, o rapaz se pôs a ajudar o homenzinho a empurrar ladeira acima aquele carrinho pesado, equilibrando por uns oitenta metros a geladeira que teimava em pender para um lado. Talvez para não ferir a pintura, não estava bem amarrada, ia frouxa sacolejando, ameaçando cair.
Pela expressão dos dois, haveria dificuldades severas para que aquele homem conseguisse sozinho seu intento. Por fim, alcançaram o topo e, o rapaz, se despedindo apenas com um sorriso e um aceno, voltou, montou a motocicleta e retomou seu caminho.
Observei que o homem se sentou para descansar e, quem sabe, refletir sobre a ajuda recebida. Eu não fazia a mínima idéia de seu destino final. Quanto ainda teria ele que empurrar aquele carrinho, quantas subidas e descidas enfrentaria, quantas travessias teria que fazer?
Continuei meu caminho. Não sei nada sobre nenhum dos envolvidos naquela pequena comunhão de sentimentos e atitudes. Mera gentileza, piedade ou amor ao próximo, fosse o que fosse, fez aquele rapaz interromper seu itinerário, perder tempo, talvez se atrasar em seu compromisso, realizar esforço físico e ajudar um desconhecido que dificilmente votará a encontrar. Isto anonimamente, sem registro, sem apresentação, sem diálogos...
Refletia sobre isso quando lembrei de uma frase que li certa vez, inscrita em uma placa numa das trilhas de um parque ecológico, fora do Brasil. Dizia o texto apócrifo “El único símbolo de superioridad que reconozco es la bondad”.
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