Ele era um homem já adulto, bem sucedido na arte dos negócios, enriquecido por saber identificar as chances que a vida lhe oferecia, bonito, simpático, instruído, eloquente, amigo dos políticos e poderosos, respeitado por sua classe, admirado por muitos devido à sua inteligência. Apesar de tudo, aos poucos, Daniel foi mudando e começou a entrar em um processo depressivo tão comum nos dias de hoje. A diferença é que, normalmente, são decepções, traumas, perdas, fracassos, abandonos, insucessos que desencadeiam processos depressivos, e este não era o caso daquele homem. Sua angústia não tinha uma razão de ser, uma lógica, um motivo. Apenas era. E se aprofundava.
Noites sem dormir, tratamentos médicos, remédios, afastamento da família e dos amigos, desinteresse pela esposa, frustração com o mundo em volta e olhares cada vez mais frequentes para o cofre onde guardava uma arma. Por que não?, se perguntou muitas vezes.
Certo dia, caído no sono depois de infindável pesar sobre si mesmo e algumas taças de vinho, Daniel teve um sonho. Estava ele preso em um poço muito escuro, largo e fundo, do qual tentava em vão sair. A água não o ameaçava, dava-lhe pelo peito, nem havia animais que o ameaçassem. Ele girava incessantemente, palmeando a parede escura, procurando alguma espécie de cava, de buraco ou fenda que pudesse lhe servir de estribo para, quem sabe encontrar outro mais acima. Não havia. As paredes eram escorregadias.
O tempo passava e a escuridão aumentava. “pelo menos, não preciso nadar, não aquentaria muito tempo se o poço estivesse mais cheio” concluiu. Imediatamente lhe veio o temor de que pudesse chover e inundar o poço além do suportável. Antes mesmo de lembrar que não era época de chuvas, sentiu câimbras. Precisava descansar, já estava há horas em pé, a água fria deveria ter afetado seus músculos. Mas, como sentar? A água ficaria acima do seu nariz, então, o melhor seria encostar na parede e relaxar uma perna de cada vez. Foi o que fez.
Em certo momento, Daniel resolveu gritar, chamar a atenção de alguém. Nada. Por mais que gritasse, ninguém respondia. Parecia até que o poço se afastava ainda mais, como se tivesse vida e não quisesse ser encontrado. Olhar pra cima era como ver o breu. Nenhuma luz, nenhuma estrela, nenhuma nuvem. Ele tirou os sapatos e após algumas tentativas conseguiu jogá-los para fora; “alguém vai encontrar os sapatos e olhar o poço, que mais posso fazer?” pensou, enquanto dava mais uma volta procurando algo que o ajudasse.
Em determinado instante, Daniel resolveu que não faria mais nada. Suas mãos já estavam feridas, suas pernas anunciavam que não resistiriam por muito tempo. Aquele poço seria sua última morada, a água na qual se afogaria seria sua ultima companheira. “Me transformarei em água, ela me cobrirá como um manto, diluirá minha carne, minhas entranhas, meu coração, meu cérebro, meu eu. Se algum dia for achado, restarão apenas meus ossos.” Era só esperar.
Sem mais ilusões, Daniel relembrou a própria vida desde o inicio. A família, os colegas de infância, as pessoas que conheceu, as mulheres que teve, os amigos que deixou para trás, os concorrentes vencidos, a conta bancária, as propriedades, as viagens, as casas, o luxo, o afastamento de suas raízes, a transformação nos gostos e preferências. Lhe passou um filme longo, interrompido apenas pelo constante fraquejar das pernas e a iminência do afogamento ou desmaio que, por enquanto, conseguia evitar.
Realizava este último diálogo íntimo quando, de repente, no alto, o céu se iluminou e lá de cima uma criança gritou:
─ Tem alguém aí?
─ Sim! Sim! Estou aqui faz muito tempo. Está muito frio, não estou aguentando. Você pode me tirar daqui?
─ Vou chamar meu pai. Mas, quem o colocou aí?
Daniel acordou neste momento e com esta pergunta a martelar sua mente. Levantou-se, tomou um banho, foi na varanda do apartamento ver o sol, sentir a brisa, olhar as pessoas, os carros, a cidade e, depois de algum tempo, respondeu - Eu. Eu me pus neste poço.
Meu grande e competente amigo Valter, mais uma vez parabéns!!!!