Várias vezes tentei, sem sucesso, aprender a jogar xadrez. Saber o movimento das peças não quer dizer grande coisa. Jogar mesmo, criar jogadas e estratagemas para ludibriar o adversário, pensar antes o que fatalmente acontecerá algumas jogadas à frente, não consigo. É frustrante para quem é capaz de raciocínios matemáticos avançados e leitor frequente de obras literárias densas e sofisticadas. Parece existir uma trave mental que me impede de ter domínio do jogo.
Num desses dias em que por falta do que fazer se vai ao shopping, entrei numa livraria que frequentava em Brasília e me deparei com um livro que promete ensinar a jogar xadrez. Folheei-o desconfiado, mas decidi comprá-lo. Seria a última tentativa. “Se pode ser aprendido em livros, aprenderei”, pensei com certa arrogância.
Chego em casa, me escuso de outras tentações e me dedico a “aprender a jogar xadrez” conforme promete o livro. O volume, de umas 170 páginas, inicia com a história do xadrez desde as suas origens no sânscrito, passando pelas modificações ao longo do tempo incluindo os períodos persa, árabe e europeu até chegar ao período moderno - o atual, em que seu desenvolvimento se dá não mais por alterações em suas regras, mas por adaptação e aprimoramento do jogo. Uma belíssima história, considerando que, a rigor, trata-se de um pequeno tabuleiro com 64 casas e 32 peças que se movimentam de acordo com uma conjunto de regras simples.
Depois da história empolgante, entramos propriamente no ensino do xadrez no nível elementar, uma espécie de ABC, ou seja, o tabuleiro, os 64 endereços, a identificação e disposição das peças no tabuleiro e os movimentos de cada uma. O bispo movimenta-se apenas na diagonal, o rei apenas uma casa para qualquer lado e assim por diante. Fácil.
Mas, só até aí. Enquanto lia, tentei aplicar no computador o que ia “aprendendo”. A tarefa começou a se mostrar difícil, compreendi na primeira partida que me atrevi a jogar no nível básico de um aplicativo, o por quê de ao interpretarem sua natureza alguns especialistas o colocarem entre ciência e arte. Xadrez é um jogo único, extraordinário, que exige uma espécie de habilidade que não está inerentemente ligada à inteligência comum.
Em jogadas diárias consegui várias vitórias que, honestamente, me pareceram permitidas pelo aplicativo. Notei que o “computador” fez jogadas estúpidas, como se quisesse perder e, com isto, me manter estimulado. Fiz de conta que não vi e continuei jogando e ganhando a maior parte das partidas.
Foi aí que passando os pés pelas mãos resolvi entrar numa área que permite jogar contra adversários escolhidos aleatoriamente no mundo todo. Escolhi o nível “iniciante” e me arrisquei com um argentino que apareceu. Pra quê! Uma derrota atrás da outra. Mal respirava, xeque! Xeque-mate! Esbravejei mentalmente “Puta que pariu! Aquele filho da mãe não devia estar neste nível, só pode ser de sacanagem”. Ou, então, eu não sabia de nada, o que era mais provável.
Volto pro livro. Eu não sabia de nada. Há uma série de jogadas especais, termos, combinações e estratégias que precisam ser rapidamente apreendidos por quem se atreve no jogo. E muito mais. O xadrez, de tão antigo e importante, revelou uma série de segredos. São, na maioria, jogadas criadas ou realizadas em grandes disputas por enxadristas extraordinários. Algumas poucas são simples, outras são complicadíssimas e entre umas e outras há um miríade de possibilidades que o neófito nem desconfia como empregar.
Depois de algum tempo ruminando aquelas notas e apontamentos, reproduzindo as figuras e jogadas explicadas em detalhe no livro, volto pro computador. "Agora ele vai ver!" Obviamente, sendo aleatória, a seleção jamais recairia sobre o mesmo adversário, mas para mim não importava. Quem surgisse pela frente seria meu argentino. Apareceu um americano.
Um tal Andrew parecia realmente iniciante. Cinco partidas, perdi duas, ganhei três e me senti dando um peteleco no argentino. Aprendi com as sucessivas jogadas, duas coisas fundamentais. A primeira é que o jogador de xadrez precisa realmente pensar com frieza. As emoções são as principais inimigas do jogador. Se estiver ansioso, nem tente.
Outra coisa é a questão do tempo. O xadrez tem normalmente uma limitação de tempo pré estabelecido. Se uma partida dura meia hora, são 15 minutos pra cada um, de modo que o jogador precisa otimizar seu tempo e economizar seu material – peças, e, ao mesmo tempo, levar o opositor a fazer o contrário. Sob pressão do tempo, o jogador é levado a fazer jogadas menos elaboradas, precipitadas, portanto, arriscadas.
Mais uma vez recorro ao livro, me sentindo, pelo menos, apto a aprender. Lá vou eu. Notação, ataque e defesa, sacrifícios, roque grande e roque pequeno, formas de empate... o negócio vai crescendo e já me sinto enfadado com tanta informação. Pensei comigo “até aprender a jogar esse negócio poderia escrever uma dissertação de mestrado”.
Em determinado ponto da leitura resolvi voltar ao jogo. Estimulado pelos resultados anteriores, cliquei nível intermediário e aguardei o adversário. O sistema me apresentou uma americana – Laura. Na área de mensagens, ela me manda um "Hi!" Respondo "Hi!" e começo a partida com um Pf4. Seis lances depois, nova mensagem da laura “don't you know how to play chess?”. Respondi “I’m sorry, thank you” e abandonei a partida. Volto pro livro, fecho, guardo numa gaveta e digo pra mim mesmo “arranje algo mais fácil pra passar o tempo, isso aí é como violão, não é pra você”.
Lembrei dessa passagem frustrada pelo xadrez recentemente, depois de assistir ao filme “O gambito da rainha”, que vem fazendo enorme sucesso contando a história de uma garota genial que chega muito rapidamente ao ápice como enxadrista. Eu estava com uns amigos falando a respeito do filme, descrevendo, elogiando e recomendando, quando o Gilson, velho amigo, me pergunta curioso dado meu interesse no jogo, “você sabe jogar xadrez?”. Respondi imediatamente. “Quem, eu? Não, nunca joguei”.
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