Não chama a atenção da mídia, políticos, analistas, etc., mas temos muito a ver com as próximas eleições no Peru. Nos últimos anos, devido à Estrada do Pacífico e, mais recentemente, com a possibilidade em estudo de uma nova saída via Cruzeiro do Sul – Pucallpa, o país vizinho adquiriu uma importância singular para o Acre. Basta prestar atenção nos discursos das autoridades e nos planos anunciados pelos empresários.
As nossas perspectivas de aumento de exportação têm quase sempre o Peru como destino ou passagem, logo, o que acontece no país vizinho pode resultar em alteração importante em nossos projetos e nas decisões empresariais tomadas por empreendedores nacionais. Fala-se em implantar por aqui um hub logístico, e a futura Zona de Desenvolvimento Sustentável AMACRO potencializa as expectativas relacionadas ao agronegócio. É necessário, então, acompanhar com atenção o desenrolar das próximas eleições por lá. Adianto que, pelo resultado no primeiro turno, a situação não parece animadora para “nosotros”.
Tomemos como base as declarações do partido Peru Libre, cujo candidato, Pedro Castillo, ficou em primeiro lugar no primeiro turno e mantém vantagem nas pesquisas contra a candidata de direita, Keiko Fujimori. Está na cartilha do partido do candidato de extrema-esquerda: “Peru Libre é uma organização de esquerda socialista que reafirma sua corrente ideológica, política e programática. Para ser de esquerda, é necessário abraçar a teoria marxista e, à sua luz, interpretar todos os fenômenos que ocorrem na sociedade mundial, continental e nacional”.
A caracterização do partido, que bem poderia ser um panfleto da UNE, ou o discurso de algum militante chapado do PSol, exuma o cadáver marxista e o repõe na vitrine em pleno século XXI, como sustentação de um sistema que parece ter mais a ver com a implantação de uma ditadura ao estilo venezuelano, do que com qualquer perspectiva razoável de desenvolvimento econômico e social de respeito à livre iniciativa. O marxismo, como sabem todos os que possuem dois neurônios comunicantes entre si, é uma fraude já desgraçada em todas as tentativas levadas a cabo na história.
Note-se que, enquanto sob o socialismo a Venezuela perdia 80% do PIB, no Peru, apesar de vários ex-presidentes julgados e presos (lá eles ficam na cadeia) em escândalos de corrupção, a economia foi uma das que mais cresceu na América Latina. E o fez de modo estável, contínuo. No quadro abaixo vemos uma comparação com o Brasil, com fonte no FMI.
E então? Com essas taxas de crescimento, parece razoável que tudo se inverta e a partir da próxima eleição se estabeleça no Peru um governo marxista? Já pensaram na situação aqui do lado, com a estatização já prometida por Castillo dos setores de mineração, gás, petróleo, hidroenergéticos, comunicações e tudo o mais que economicamente respire livremente? É triste, pavoroso, mas pode estar a caminho.
Não quero, com isto, desanimar ninguém. Talvez possamos ainda fazer aquele bate-volta em Cuzco, mas talvez tenhamos que, como em Roraima, acolher milhares de peruanos perseguidos por um governo aloprado. Talvez, juntamente com Rondônia, possamos vender grãos ou carne para ou via o Peru, pois como assinala o colega Orlando Sabino em sua coluna de ontem aqui no site, há sinais de mudanças consistentes na produção agropecuária do Acre, mas, talvez haja por lá - no Peru, um retrocesso que interrompa esta perspectiva e tenhamos, ao invés de promover o agronegócio, assistir à expansão e recrudescimento da violência e do narcotráfico na fronteira.
Se o leitor está em dúvida, não precisa acreditar neste colunista. Acredite no escritor peruano, Prêmio Nobel de Literatura, Mário Vargas Llosa. Segundo suas declarações recentes a uma rádio espanhola - RPP, "É muito importante que o Peru não caia na catástrofe que é a Venezuela, Nicarágua e Cuba, países que realmente chegaram a uma situação verdadeiramente crítica. Se Castillo vencer o segundo turno, será uma verdadeira catástrofe para o Peru". Lembremo-nos que em 1990 Llosa foi derrotado por Alberto Fujimori, pai da adversária do comunista peruano.
Como normalmente acontece, às vésperas das eleições os candidatos extremistas se movimentam para o centro, se articulam com antigos adversários, suavizam seus discursos, mentem, negam a própria ideologia, assinam documentos de compromisso com a democracia etc. Ultimamente, Castillo tem seguido à risca o roteiro e apresentado sua versão “paz e amor”. Vai quem quer.
O Peru é diverso em todos os sentidos, um país complexo, multiétnico. Litoral, Andes e Floresta Amazônica. Setores modernos e arcaicos. Histórico de autoritarismo, drogas e corrupção. Um líder marxista, um candidato vindo de bases sindicais, defensor de pautas contraditórias e estatizantes, papagaio de Hugo Chavez e Maduro em discursos latino-americanistas fora de prumo, não parece uma boa aposta para quem acredita na livre iniciativa.
De todo modo, torço para que Vargas Llosa esteja enganado e que, sendo eleito, o tal Pedro Castillo apeie do cavalo comunista e rejeite a cartilha esquerdopata que orienta seu partido. Do contrário, cá no Acre temos muito a perder. Aguardemos.
Valterlucio Bessa Campelo escreve opiniões às sextas-feiras no ac24horas e em seu BLOG
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