“Disponham-se de um lado cinquenta homens armados e outros tantos de outro lado; ponham-se em ordem de batalha, prontos para o combate, sendo uns livres e lutando pela liberdade, enquanto os outros tentam arrebatá-la dos primeiros: a quais deles, por conjectura, se atribui a vitória? Quais deles irão para a luta com maior entusiasmo: os que, em recompensa deste trabalho receberão o prêmio de conservar a liberdade ou os que, dos golpes que derem ou receberem, esperam tão-somente a servidão?”.
A questão acima foi colocada por Étienne de La Boétie em uma passagem do “Discurso Sobre a Servidão Voluntária” (1563) e me parece adequada para o momento que vivemos no Brasil, considerando, obviamente, o impasse político decorrente do processo eleitoral mal-acabado e as reações que permanecem há trinta dias em todo o Brasil. Queiram ou não, está sendo travada uma batalha, na qual uns querem se manter livres, enquanto outros querem subjugar-nos e tolher nossa liberdade. Mesmo que alguns ignorantes não a reconheçam, essa é a luta.
Não pretendo desta vez “gastar tinta” em esmiuçar as causas ou o processo que nos trouxe até aqui. Me satisfaria em fazer pensar sobre a disposição que muitos entre nós possuem de simplesmente não lutar, de observar os acontecimentos e aguardar os resultados do embate entre o brutal Sistema jurídico-político-midiático e uma parcela importante da sociedade brasileira. O primeiro a serviço de um modelo de controle social global e o segundo em resistência declarada ao progressismo globalista.
La Boétie extrai que nas condições que propôs, evidentemente, aqueles que lutam pela liberdade o fazem com maior vigor, tenacidade e entrega, o que lhes garante a vitória e, para isto, dá vários exemplos históricos em que exércitos menores resistiram ao assalto de exércitos estrangeiros. Contudo, entre outras conclusões, chama a atenção para os que, podendo lutar se deixam levar por um sentimento que ordena em primeiro a segurança, de modo que as pessoas são capazes de ceder parte e ou toda a liberdade, em troca de um certo conforto em sua vida cotidiana, ainda que miserável. É o que denomina de servidão voluntária.
Imagino que, hoje, o jovem filósofo francês não se surpreenderia ao ver certas criaturas abaixarem-se para beijar as saias imundas da tirania togada como fazem tantos por aí. Uns, por ignorância, sequer advinham que hordas bárbaras se escondem para ocuparem o território conquistado destruindo todos os pilares – religião, propriedade, direitos, liberdade; outros, como urubus sobrevoam a luta sabendo de antemão que sobrarão restos a serem devorados e, outros, ainda, porque gostariam de estar entre os tiranos, torcem por eles, possuem a mesma alma sebosa usurpadora e autoritária.
Felizmente, há os que lutam. São os corajosos, os guerreiros, os audazes, homens e mulheres que sentem o despertar de uma causa, de valores e princípios aos quais não estão dispostos a renunciar, que enxergam mais adiante um cenário de supressão de suas liberdades, de miséria e humilhação. São os que estão hoje nas ruas e estradas ou, dependendo de suas condições, em trincheiras de suporte, orações e informação. Em qualquer hipótese, estes vencerão.
Embora escondam criminosamente as imagens, vemos na mídia a insistente tentativa de “bolsonarização” do movimento de resistência civil em curso. É uma solerte estratégia de personificação do adversário para criar no imaginário popular um espantalho ao qual se possa agredir (Schopenhauer explica). Hipócritas e oportunistas se valem desse discurso sem nenhuma vergonha. Já está claro que não se trata de personagens, nem de um lado nem de outro, é algo muito mais profundo e importante e, acreditem, não se encerrará em primeiro de janeiro.
Os homens passam. Bolsonaro é apenas o atual representante de uma legítima e crescente fração da sociedade que se quer livre, e Lula é apenas um ex-presidiário indecente e decrépito que simboliza o assalto ao erário. Não é contra ele que se movem multidões, é contra o que ele representa e prenuncia de nocivo, autoritário, criminoso e amoral.
Outra tática é a inversão (Acuse-os do que você faz – Lenin) de narrativas. De uma hora para outra, milhões de pessoas nas ruas viraram “golpistas” porque não aceitam passivamente uma provável inconsistência de urnas eletrônicas. Tratado nestes termos, se poderia falar em contragolpe. Nenhum brasileiro sairia de sua casa para contestar um resultado crível, isso nunca aconteceu. O que está ocorrendo é que o resultado apresentado, desprovido da segurança devida, não bate com as ruas apesar de todo o esforço midiático empreendido neste sentido, e muitas pessoas não estão dispostas a ouvir um sim porque sim de um togado qualquer. Sei que para algumas pústulas da imprensa, o “perdeu Mané” do Barroso soa como um chiste merecido, mas para quem tem honra e princípios, é um insulto inaceitável.
Para surpresa de ninguém, enquanto as ruas se manifestam, na alta(?) política brasileira, notoriamente farsesca, espraia-se a ideia de uma espécie de “pacto de Munique”, sancionado por líderes das duas casas junto ao Sistema tirano e seu candidato. Nos conta a história que se tratou de um apaziguamento fake. Hitler invadiu a Tchecoslováquia, a Polônia e em pouco tempo desfilava solenemente em Paris.
Voltando a La Boétie, parece cabível repeti-lo de certo modo desolado com a percepção de que a servidão voluntária também é uma renúncia às responsabilidades dela decorrentes: “É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios”. Que lhe sirva de reflexão antes de decidir de que lado estará postado neste momento da vida brasileira.
Comentários