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Foto do escritorvalbcampelo

BLACK LIVES MATTER! BROTHER LIFE MATTER.

Era uma sexta-feira, 20 de novembro, comemorado como o “Dia da Consciência Negra”. A sensibilidade política das pessoas estava aguçada, o ano de 2020 fora especialmente importante para a luta contra o racismo devido ao assassinato, nos Estados Unidos, de George Lloyd, um homem negro, por policiais brancos que já o haviam algemado e imobilizado. As imagens correram o mundo e causaram intensas manifestações.


Vladimir é um jovem branco de vinte anos de idade, estudante de História na Universidade Federal, filho de um casal de professores da mesma instituição, descendentes de alemães, ambos com doutorado e pós-doutorado em universidades européias e conhecidos ativistas das causas sociais. Foi seu telefone que tocou às 9:00h da manhã, enquanto tomava café.


─ Alô, Manu! Beleza?

─ Beleza. Tá sabendo da morte do carinha lá no Carrefour?

─ Claro. A minha mãe me falou. Sacanagem, só porque o cara era preto. E aí?

─ Vai ter manifestação. Tamo chamando a galera toda. Vamo tocar o terror lá hoje à noite. Não pode ficar assim, temos que chamar a atenção da sociedade, do mundo inteiro, fazer alguma coisa... nos Estados Unidos foi assim.

─ Na hora, guria! Tô dentro. Que horas começa o bagulho?

─ Tipo seis horas, o pessoal vai chegando, aí a gente vê o que dá pra fazer.

─ Fechou! Vou preparar uns negócio aqui.

─ Beleza! Qualquer coisa, a gente se fala. Beijo!

─ Beijo, tchau!


Naquele mesmo instante, a TV da cozinha dava a versão jornalística do crime. Uma perversidade, socos e mais socos, dois brutamontes contra um cara só, já no chão, indefeso. Pareciam duas feras sobre o homem que não reagia. O sangue de Vladimir ferveu.


O jovem volta pra cama e deita-se pensativo. Planeja, dá telefonemas, atende um monte, liga pra namorada, relaxa e dá mais um cochilo antes do almoço que costuma sair pelas 13:00h. Maria, a empregada, mora longe e precisa correr pra deixar tudo arrumado, não pode retardar.


Vladimir levanta-se uma hora depois, toma um banho, dá outro telefonema e vai pra mesa onde seus pais já estão comendo. Karlos, seu irmão mais novo, foi almoçar com a namorada. O papo rola em torno do crime, do racismo, da sociedade racista, do presidente racista, do mundo racista, da revolta popular. “O crime é produto dos excessos sociais”, diz Olga, sua mãe.


O jovem está inflamado. Termina o almoço, se levanta e desce até a garagem. Lá, em um armário, ele tem quase tudo que precisa - seu bastão de basebol que comprou em uma viagem aos EUA, gasolina e panos velhos. Faltam as garrafas que ele sobe pra pegar na área de serviço. Revisa tudo, põe na mochila e se prepara pra sair. Já são quase 16:00h e do condomínio até o supermercado tem que atravessar a cidade. Na porta dá de cara com Karlos que acabava de chegar.


─ Vambora? - perguntou Vladimir

─ Pra onde?


Karlos, o irmão de Vladimir, é um garoto de 17 anos, ainda franzinho, que aguarda o fim da pandemia para fazer o vestibular pra medicina. Seu sonho é ser cirurgião, trabalhar num grande hospital, ganhar dinheiro e casar com Ingrid.


─ Pra manifestação no supermercado. Não tá sabendo do carinha negro que os vigilantes racistas mataram no supermercado?

─ Sim, mas a polícia tá resolvendo. Preciso estudar.

─ Deixa de ser alienado, guri! Você não se importa com a injustiça? Quer viver num pais racista?

─ Não, mas não tô afim. Vai dar policia, pancadaria...

─ Que nada! Vai tá cheio de imprensa por lá. Bora!

─ Ok. Vamos, mas de lá venho direto pra casa.


Quando os dois chegaram, a invasão já havia começado. Rapidamente Vladimir pôs a mochila no chão, pegou os dois coquetéis molotov que trazia, ateou fogo e os jogou para dentro do supermercado. Em seguida, agarrou o bastão, cobriu o rosto com um lenço e correu para o fundo da loja. Aparelhos de TV e computadores são bem mais caros, perder tempo com enlatados pra quê?


Enquanto quebrava telas e balcões, o supermercado incendiava. Em poucos minutos a fumaça lhe ardeu os olhos e ele resolveu se mandar. Alguns passos adiante no corredor, viu um jovem cambaleando, prestes a desmaiar sufocado pelos gases, era o “palito” um rapaz negro, seu conhecido. Não pensou duas vezes, com esforço conseguiu pôr o colega nos ombros e seguiu apressado em direção à saída.


Mesmo com o peso do “palito” nos ombros, ele sorria intimamente pensando em como tudo havia dado certo, quando um barulho do lado esquerdo chamou sua atenção. Vladimir olhou e através da fumaça enxergou seu irmão Karlos, de joelhos na adega, asfixiado, tossindo, sem conseguir se levantar. Lá de fora vinha a gritaria: BLACK LIVES MATTER! BLACK LIVES MATTER! BLACK LIVES MATTER!

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